Sunday, October 17, 2010

Em algum lugar do passado... relembrando os tempos de CVV

Eu trabalhei como voluntário por um tempo no CVV do Brasil, Centro de Valorização da Vida, uma entidade não-lucrativa para prevenção de suicídio.

Eu acho que tinha 20 anos na época, 1990 ou 1991. Eu tinha lido um artigo de página inteira no jornal Tribuna de Santos falando sobre o CVV. Haveria uma palestra sobre isso  em alguma lugar em Santos que não me lembro, talvez hospital.
Não lembro nada da palestra. A jornalista que tinha escrito o artigo estava lá, Vera alguma coisa. Era uma moça alta, grande, bonita. Jornais não publicam fotos dos seus jornalistas, algo que não dá para entender. Quando li o artigo achava que ela era uma senhora de cabelos brancos... Conversar com jornalistas pode ser perigoso, eles podem acabar escrevendo sobre você!

Por que eu entrei no CVV? Até hoje não lembro bem o motivo. Acho que estava cansado de conversar com meus colegas sobre assuntos da faculdade. Meus amigos só falavam sobre provas e coisas da faculdade. Acho que eu estava tão cansado que queria participar de algum outro grupo que discutissse algo diferente.

Não sei se o CVV ainda existe ou se ainda funciona como naquela época. Na época o CVV se baseava nas idéias de Carl Rogers, especialmente seu livro "On becoming a person". A idéia era de que a maioria dos suicidas sofrem de solidão, e que o suicídio pode ser prevenido se houver alguém disposto a escutar e oferecer companhia a pessoa. Basicamente os voluntários do CVV eram treinados a escutar as pessoas, fazê-las falar mais sobre seus problemas.

O CVV funcionava numa pequena sala perto do Gonzaga. O serviço era oferecido por telefone e pessoalmente, 24 horas por dia, todos os dias. Havia uma falta crônica de voluntários e o CVV estava sempre anunciando para atrair mais voluntários. Havia 2 mesas, 2 telefones, o ideal seria haver 2 voluntários o tempo todo, mas devido a falta de pessoal, a maioria dos turnos estava com apenas 1 voluntário. Cada turno era de 1 ou 2 horas, não lembro. Eu trabalhava todo sábado de manhã.
O serviço era bem simples, apenas esperar o telefone tocar, e atender as ligações de acordo com o treinamento.
Além dos turnos havia sessões de treinamento periodicamente onde fazíamos role-playing. O role-playing é uma simulação onde um dos voluntários faria o papel da pessoa que liga, outro voluntário faria o papel da pessoa que atende. Após a simulação todos discutiriam se o atendimento foi apropriado ou não.
Os voluntários eram proibidos de oferecer conselhos de qualquer espécie. A idéia era apenas escutar e fazer a outra pessoa falar mais sobre seus problemas.
Os casos eram todos confidenciais, os voluntários não podiam discutir sobre o CVV com pessoas externas ao CVV. Era recomendado nem mesmo falar que você era voluntário.
Eu nunca discuti sobre o CVV com meus colegas de faculdade, embora um deles começou a desconfiar porque eu estava sempre ocupado sábado de manhã.
O período da manhã era sempre tranquilo, com poucos telefonemas, talvez porque as pessoas não fiquem muito deprimidas na parte da manhã.

Eu lembro de algumas pessoas dessa época, Sofia, Olga, Carmen.

A Carmen era uma mulher muito bonita, provavelmente com mais de 40 anos na época, mas que tinha oferecido uma foto dela quando jovem. A foto dela estava afixado no mural de turnos, que indicava quais turnos estavam sendo ocupados por quais voluntários. Por que não oferecer uma foto recente? Ela não queria gastar dinheiro para tirar uma foto recente e simplesmente ofereceu uma foto antiga que estava sobrando? Ou ela queria ser lembrada dos tempos em que estava no auge da beleza? De qualquer forma eu sempre dava risada quando olhava o mural.

Sofia era advogada, muito bonita, solteira, que nunca andava com relógio. Ela sempre verificava as horas olhando o relógio dos outros, ou olhando relógios afixados em paredes. Mas ela era sempre pontual, apesar de não usar relógio... ou talvez porque não usava relógio!

Com 20 anos eu era a pessoa mais jovem do grupo. Eu entrei na escola um ano mais cedo, e por muito tempo eu era sempre a pessoa mais jovem da sala.Será que sou complexado por causa disso?

A Olga era uma pessoa muito simpática que mantive contato mesmo após sair do CVV. Eu ia para o apartamento dela de vez em quando, um apartamento grande, bonito, último andar, duplex, em frente a praia.
Ela tinha 2 filhos, por coincidência um dos filhos estava trabalhando comigo quando fiz estágio na Prodesan de Santos.
A Olga gostava de passar o tempo pintando. O apartamento dela estava cheio de pinturas.

Nessa época eu costumava visitar todos os meus amigos frequentemente. Eu estava basicamente sem família, meus pais estavam no Japão. Eu morei um tempo com minha avó, depois com meu irmão, depois com meu tio. Morei um tempo numa "república", uma casa onde dividíamos o aluguel com outros estudantes. Mas basicamente eu não tinha uma "casa" para morar. Parece que eu estava sempre provisoriamente na casa de outras pessoas. Eu acho eu me sentia sem "lar".
Talvez seja por isso que eu fazia questão de manter contato com antigos colegas de escola. Há algo sobre o passado que me deixa triste. O passado "desaparece", se torna memória, e a memória é esquecida, sem nehum vestígio.

1 comment:

  1. Olá Hisao...

    Bons tempos de um modo ou de outro...

    Até hoje lembrou do seu irmão qdo servi o quartel, já que vc mencionou que morou na casa dele...

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